Entrevista Capitão Fausto

“Não nos importa nada a comparação, porque nós gostamos bastante de Tame Impala. Mas também gostamos de mais 50.000 coisas”

Com um segundo disco aclamado e um público em crescendo, falámos com os mais psicadélicos Capitão Fausto, malta confiante, boa-onda e com ideias conceptuais bem interessantes.

Capitão Fausto | Lux @ Sandra Gerardo

Mais do que uma entrevista, o que se passou num estabelecimento charneira do Príncipe Real foi uma conversa descontraída com os Capitão Fausto, uma espécie de jamsession coerente com os improvisos que estes músicos tanto gostam de fazer em palco. O mote foi o recentemente editado “Pesar o Sol”, disco em que levam as harmonias de “Gazela” para outra intensidade, outra complexidade e um psicadelismo mais evidente, mas sem abdicarem da essência pop.

Falámos com 4/5 da banda (só faltou o baterista). Um grupo de jovens de 20 e poucos anos, mas com espírito de melómanos e que sabem bem o que querem, sem que isso implique uma arrogância desnecessária e um desvirtuamento da forma natural de fazer música. E, num diálogo com momentos caóticos, que atravessou coisas tão díspares como Halloween, Bon Jovi, Beach Boys, Tame Impala (comparação recorrente) ou a paixão pelo krautrock e por James Bond, ficou na memória uma curiosa relação entre a concepção criativa de um concerto e os talentos de um bom orador.

Neste novo disco surgem mais psicadélicos, mais progressivos, mais experimentais. Foi fruto do que andaram a ouvir desde o “Gazela” ou acharam piada a fazer algo do género?

Capitão Fausto (em côro) – Está certo, é as duas coisas. [risos]

Domingos Coimbra (DC) – As influências alargaram-se, mas já andávamos a ouvir este tipo de música, até antes de fazer o “Gazela”.

Tomás Wallenstein (TW) – Foi um bocado experimentar coisas diferentes.

Francisco Ferreira (FF) – Sim, não foi nada pensado, do tipo: “Queremos fazer o disco X”;

Manuel Palha (MP) – Basicamente, as coisas que iam saindo em ensaios e jams não eram iguais. Tem graça porque isto é tudo inconsciente.

Ao contrário do que por vezes pensamos, as coisas saem muitas vezes naturalmente e não pretendem ir de encontro a nenhum estilo específico…

FF – Exacto e é bom sinal quando não é premeditado.

TW – Senão cai-se no problema de fazer uma coisa que não é livre. Nós fizemos uma coisa e depois as pessoas chamam-lhe o que quiserem.

A propósito desses rótulos, já foram chamados de Tame Impala portugueses. É algo que consideram porreiro, que vos incomoda ou que é-vos indiferente?

TW – Não incomoda, mas não acrescenta. É um bocadinho o fruto dos Tame Impala serem a figura do revivalismo do rock dos anos 60.

FF – Sim, mas na verdade este último disco deles não soa a nada de revivalismo dos anos 60.

DC – Eu acho que eles trouxeram aquela nostalgia dos anos 60 e aquela visão romântica que muita gente partilhava, mas que começou a ser mais visível com os Tame Impala. Ao ponto de eu, por vezes, dizer a brincar que há pessoas que acham que Tame Impala é um género.

FF – E daí que não nos importe nada a comparação, porque nós gostamos bastante de Tame Impala. Mas também gostamos de mais 50 000 coisas…

TW – É um bocado como uma pessoa que ouça Halloween, não conheça muito de hip-hop e diga que é igual a Eminem. É meio gangsta, fala de problemas pessoais, uma cena falada por cima de um beat constante… mas não tem nada que ver com Eminem.

Por outro lado, estes temas nasceram em Paredes de Coura e cresceram em Cantanhede, em meios mais rurais, em contacto com a Natureza. Acaba por ser um curioso contaste com o lado mais urbano da música psicadélica…

TW – Exacto, até porque nós somos pessoas altamente urbanas, cheios de vícios urbanos…

FF – E acho que é por isso que nós gostamos de nos isolar dessas zonas urbanas quando vamos gravar. Já tinha acontecido o mesmo com o “Gazela”.

FF – Isso aconteceu com imensas bandas de krautrock, como os Can ou os Neu!, que iam gravar para as montanhas perdidas na Alemanha, mas depois a música soava incrivelmente urbana e mecânica.

TW – Eu acho é que o facto de saíres da cidade para gravar não tem obrigatoriamente de imprimir um selo no resultado. O que se procura é essencialmente uma focalização total e nós, de facto, estamos ali de manhã à noite, completamente livres de horários e apenas para aquilo. Desde o primeiro EP que fazemos isto.

“Tentamos dizer uma coisa que possa ser interessante com as palavras mais básicas do mundo.”

Apesar de vocês fazerem música que não é nada óbvia, que não são canções pop bubble-gum, conseguem cativar um público adolescente. Acham que a voz mais clean do Tomás pode contribuir para isso?

FF – Eu acho que neste disco nem ficou tão clean. Nós adoramos canções…

DC – As músicas são longas, mas não existe nenhuma canção que as pessoas não consigam propriamente cantar.

MP – As coisas são cantáveis. Algo que nós partilhamos é acharmos que, por mais longe que se vá, é bom haver algo com que uma pessoa se apegue. Eu gosto de ouvir música que, mesmo que tenha um groove muito difícil, tenha algo mais trauteável. Isso acontece com coisas surpreendentes, como os Can.

TW – Mas, parecendo que não, as coisas deCan são impressionantemente cantáveis.

MP – Sim, não é preciso ser o “You Give Love A Bad Name”, dos Bon Jovi, para que as pessoas possam cantar.

FF – Nós somos os maiores fãs de Beatles e Beach Boys, de canções pop clássicas, desde as letras e histórias que contam às vozes e harmonias…

TW – A propósito das letras e do nosso público que tem vindo a crescer, outra coisa que nós apostamos é tentar dizer uma coisa que possa ser interessante com as palavras mais básicas do mundo.

No fundo, as vossas letras podem ser directas, mas com algo de complexo por trás…

DC – É um directo adornado.

TW – E também tenho notado uma coisa nesta malta mais nova que é o culto do rock’n’roll, que há uns anos não existia.

DC – Olha, o meu primo Zé, por exemplo. Ele entrou agora para o 10º Ano e é muito engraçado de ver que ele e os amigos andam a coleccionar vinis.

Outra coisa que pode cativar mais público são as alternâncias frenéticas de ritmo e os improvisos que vocês fazem ao vivo. É algo que vos dá muito gozo?

Capitão Fausto (coro) – Sim, claro.

FF – Dá-nos muito gozo e cria-se um efeito surpresa para o público que é muito agradável.

TW – Eu adoro ir a concertos e ser surpreendido com encaixes bem feitos. Quando uma banda corta uma música e mete outra de seguida, é algo que se sente, que bate. Mas eu até tenho uma posição mais radical: acho que um concerto não é para repetir um disco, o que interessa é o que aqueles músicos estão a fazer em cima de um palco e quanto menos pausas houver, melhor.

Às vezes vocês fazem pausas, mas é no sentido musical. O ritmo abranda, para depois acelerar novamente…

FF – Sim, o concerto tem de ir abaixo e tem de ir acima. Claro que nos dá uma certa pica ir a concertos em que é sempre a abrir e isso acontecia muito quando éramos mais novos. Mas se o público estiver sempre em altas, corre-se o risco de ficar um sentimento de vazio.

TW – É como um bom orador, que é aquele que faz as entoações nos sítios certos, deixa as pessoas em suspense em alguns momentos e despacha algumas palavras que não interessam tanto.

FF – Por outro lado, é essencial para nós fazermos concertos sempre diferentes, adaptando-nos aos sítios onde vamos e mudar as músicas ao vivo, senão não fazia sentido nenhum.

Isso ter-vos-á dado confiança para concertos de apresentação do disco antes dele sair e das pessoas conhecerem os temas…

TW – E vamos voltar a fazer isso…

FF – Mais sítios pequenos, com mais pessoas que nunca ouviram falar de nós. E, com base num comentário que vimos na internet, queremos tocar para pessoas que já nos viram a primeira vez e não gostaram, viram a segunda e não gostaram… Nós queremos insistir. [risos]

Mas como é que souberam disso?

TW – Durante um concerto nosso, deixaram-nos o seguinte comentário no facebook: “Olá. Estou a ver-vos ao vivo pela segunda vez e a constatar que vocês são mesmo maus”. [risos] Pá, nem toda a gente pode gostar de nós. O Domingos, por exemplo, não gosta de cerveja…

“A última coisa que nós queremos é que as pessoas estejam num concerto nosso apenas à espera desta ou daquela música.”

Há muita gente que vos segue e a prova disso foi o concerto do Lux completamente cheio, há cerca de um mês. É o fruto do vosso crescimento enquanto banda?

DC – Sim, nós não estávamos minimamente à espera que, em uma semana e tal, o concerto esgotasse. E quando vi a fila à porta, foi um bocado doloroso. Ninguém a conseguir entrar e comecei a pensar que o concerto ia atrasar e que já não podíamos tocar tanto tempo. Mas depois correu tudo normalmente.

E acham que é um bom conceito, do ponto de vista da promoção da música portuguesa, a estratégia de venda dos bilhetes do vosso concerto, que incluíam o disco?

DC – Para já, é mais barato, é uma forma das pessoas ganharem mais com uma só coisa.

FF – Sim, apesar de nós temos prazer que as pessoas ouçam o disco, seja de que forma for. E na era digital não faltam maneiras.

Nesse concerto do Lux, vocês fizeram uma curiosa homenagem ao James Bond. Porquê?

FF –  Nós gostamos de fazer setlists temáticas e já não fazíamos uma há um ano.

MP – E nós somos grandes fãs do James Bond…

DC – Aliás, a fazer o disco em Paredes de Coura, víamos um ou dois James Bond por noite.

FF – Vai daí, nesse concerto, cada um de nós era um Bond, um vilão ou um sub-vilão…

[n.r: segue-se o relativo caos, com comentários sobre sub-vilões de Bond, como Nick Nack ou Jaws, antes de uma referência à digressão anterior sobre físicos, como Carl Sagan, Stephen Hawking ou Newton.]

MP – …Mas não houve nada no concerto propriamente dito que dissesse respeito a isso. Éramos para entrar em palco com uma música do Bond, mas não encontrámos a versão que queríamos.

TW – Entrámos com Frank Zappa, também foi fixe.

Outra coisa curiosa foi a ausência no alinhamento de “Teresa”, talvez o vosso maior sucesso do “Gazela”. É a prova de que vocês têm um caminho muito próprio, sem ceder a tentações de sucesso fácil?

MP – Não, simplesmente achámos que não encaixava naquele alinhamento, tal como outras que ficaram de fora. Perdemos muito tempo a definir alinhamentos e as passagens têm de fazer sentido.

DC – Sim. E havemos de tocá-la noutros momentos, mas não temos medo nenhum de não o fazer.

FF – A última coisa que nós queremos é que as pessoas estejam num concerto nosso apenas à espera desta ou daquela música. Não é bom nem para nós, nem para o público. Se, em vez disso, nós construirmos uma linha de pensamento e musical que fizer sentido, sai toda a gente satisfeita.

Finalmente, já não falta muito tempo para os festivais de Verão… marcar presença em algum deles é algo que vocês aspiram, pela montra que proporcionam?

FF – Sim, claro, até porque os concertos num festival são um grande desafio. Temos muito pouco tempo, não fazemos quase soundcheck e estamos a competir com outras bandas que tocam ao mesmo tempo e com um público que pode não gostar muito do teu género…

DC – E os festivais são bons para as bandas aprenderem a ser mais disciplinadas.

MP – É chegar lá e, com a maior rapidez e eficácia, fazer o melhor possível.

FF – E tocamos para muito mais gente, o que é óptimo, ao mesmo tempo que vemos muitas bandas que gostamos.

Site Ponto Alternativo, Março de 2014

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